quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Sociedade Judaica na Época de Jesus

     
     
Fonte: Bíblia de Jerusalém
C
omo podemos ver no mapa, há dois mil anos atrás, no tempo de Jesus, a Palestina era uma região dividida entre a Judéia, Samaria, Peréia, Galiléia, Decápolis, Fenícia e Síria. Os textos transcritos abaixo revelam que na época em que Jesus viveu na Galileia , Samaria e Judéia estas regiões eram dominadas pelo Império Romano que cobravam impostos de todas elas. Esta prática desagradava aos judeus que se revoltavam e tratavam a questão como sendo contrária a religião que professavam. Mas, Por outro lado, a classe sacerdotal se enriquecia através das moedas adquiridas em nome de Deus. Dentro do Judaísmo havia diversas seitas derivadas que adotavam interpretações próprias das escrituras sagradas,  criando seus dogmas  e rituais diferentes. Neste ambiente Jesus nasceu, cresceu e iniciou a sua jornada sublime da construção do reino de Deus nos corações dos homens. As várias seitas do judaísmo tinham um ponto em comum, que era a crença em um único Deus; esta crença foi iniciada com o trabalho missionário de Abrão e foi solidificada através de Moisés. Estes e outros missionários vieram executar um trabalho que  teve sua origem no mundo espiritual; eles vieram preparar o caminho para a vinda do sublime peregrino, Jesus. Se Jesus encontrou incompreensão durante a pregação da “Boa Nova” no seio de uma religião monoteísta, a dificuldade seria ainda maior se fosse no meio de seitas com crenças em vários deuses. Os judeus, segundo as profecias , aguardavam a vinda de um Messias, e esperavam que ele fosse surgir dentro da classe dos sacerdotes. Segundo a crença deles, este Messias nasceria em Jerusalém e estabeleceria um reino e a supremacia religiosa em todas as regiões, inclusive libertando-os do domínio romano. Jesus, apesar de ter nascido em Belém, na Judéia, vivia em Nazaré, na Galileia, e os religiosos da época não esperavam que fosse nascer ali o Messias.  O orgulho dos “doutores” da lei religiosa condenou Jesus por ele abalar as estruturas canônicas cristalizadas   da época, quanto a uma compreensão maior da Vontade divina.
     Portanto, para não termos uma fé superficial presa tão somente na “forma” das escrituras sagradas, é necessário buscarmos a essência dos ensinos, a sua convergência e não desprezarmos o contexto histórico da época em que foram elaborados. É preciso cuidar, também, para não nos transformarmos em novos “doutores das leis”, ficando estagnados. Devemos procurar sempre enxergar que as revelações vindas da dimensão espiritual são gradativas e Deus as envia conforme nossa maturidade espiritual.
V. Lau



 Paris (FR), abril de 1864.

Allan Kardec

     Para bem compreender certas passagens dos Evangelhos, é necessário conhecer o valor de várias palavras que nele são empregadas com frequência, e que caracterizam o estado dos costumes e da sociedade judaica dessa época. Essas palavras, não tendo para nós o mesmo sentido, frequentemente foram mal interpretadas, e por isso  mesmo deixaram uma espécie de incerteza. A compreensão do seu significado explica, por outro lado, o sentido verdadeiro de certas máximas que parecem estranhas à primeira vista.
    
    SAMARITANOS. Depois do cisma das dez tribos, Samaria tornou-se a capital do reino dissidente de Israel. Destruída e reconstruída por várias vezes, ela foi, sob os Romanos, a sede da Samaria, uma das quatro divisões da Palestina. Herodes, dito o Grande, a embelezou, com suntuosos monumentos, e, para agradar Augusto, deu-lhe o nome de Augusta em grego Sébaste.

     Os Samaritanos estiveram, quase sempre, em guerra com os reis de Judá; uma aversão profunda, datando da separação, perpetuou-se entre os dois povos, que afastavam todas as relações recíprocas. Os Samaritanos, para tornar a cisão mais profunda e não ter que ir a Jerusalém na celebração das festas religiosas, construíram um templo particular, e adotaram certas reformas. Eles não admitiam senão o Pentateuco contendo a lei de Moisés, rejeitando todos os livros que lhe foram anexados depois. Seus livros sagrados eram escritos em caracteres hebreus da mais alta antiguidade. Aos olhos dos Judeus ortodoxos, eles eram heréticos, e, por isso mesmo, desprezados, anatematizados e perseguidos. O antagonismo das duas nações tinha, pois, por único principio a divergência das opiniões religiosas, embora suas crenças tivessem a mesma origem; eram os Protestantes daquela época.

     Encontram-se, ainda hoje, Samaritanos em algumas regiões do Levante, particularmente em Naplouse e Jaffa. Eles observam a lei de Moisés com mais rigor que os outros Judeus, e não contraem aliança senão entre eles.
    
     NAZARENOS. Nome dado, na antiga lei, aos Judeus que faziam voto, seja pela vida, seja por um tempo, de conservar uma pureza perfeita. Eles se obrigavam à castidade, à abstinência de álcool e à conservação da sua cabeleira. Sansão, Samuel e João Batista eram Nazarenos.
     Mais tarde, os Judeus deram esse nome aos primeiros cristãos, por alusão a Jesus de Nazaré.
     Este foi também o nome de uma seita herética dos primeiros séculos da era cristã  que, da mesma forma que os Ebionitas, dos quais ela adotava certos princípios, misturava as práticas do Mosaísmo com os dogmas cristãos. Essa seita desapareceu no quarto século.

     PUBLICANOS. Assim se chamavam, na antiga Roma, os cavaleiros arrematantes das taxas públicas, encarregados do recolhimento dos impostos e das rendas de toda natureza, seja na própria Roma, seja em outras partes do Império. Eles eram análogos aos arrematantes de impostos gerais do antigo regime na França, e tais como existem ainda em certas regiões. Os riscos que eles corriam faziam fechar os olhos sobre as riquezas que, frequentemente, adquiriam, e que, em muitos, eram o produto de exações e de benefícios escandalosos. O nome de publicano se estendeu mais tarde a todos aqueles que tinham a administração do dinheiro público e aos agentes subalternos. Hoje, esta palavra se toma em mau sentido para designar os financistas e agentes de negócios pouco escrupulosos; diz-se algumas vezes: “Ávido como um publicano; rico como um publicano”, para uma fortuna de origem desonesta.

    Da denominação romana, foi o imposto o que os judeus aceitaram mais dificilmente e o que lhes causava maior irritação, dando origem a várias revoltas e transformando-se numa questão religiosa, porque o olhavam como contrário à lei. Formou-se mesmo um partido poderoso à frente do qual estava um certo Judas, dito o Gaulonita, que tinha por princípio a recusa do imposto. Os Judeus tinham, pois horror ao imposto e, por consequência, a todos aqueles que estavam encarregados de recebê-lo; daí sua aversão pelos publicanos de todas as categorias, entre os quais poderiam se encontrar pessoas muito estimáveis, mas que, devido à sua função, eram desprezadas, assim como aqueles que com eles conviviam, e que eram confundidos na mesma reprovação. Os Judeus mais importantes acreditavam comprometer-se tendo com eles relações de intimidade.

     OS PORTAGEIROS. Eram os cobradores de baixa categoria, encarregados principalmente da arrecadação dos direitos à entrada nas cidades. Suas funções correspondiam aproximadamente às dos guardas alfandegários e dos recebedores de barreira; eles sofriam a mesma reprovação aplicada aos publicanos em geral. É por essa razão que, no Evangelho, encontra-se, frequentemente, o nome de publicano unido ao de gente de má vida; essa qualificação não implicava na de debochados e de pessoas de honra duvidosa; era um termo de desprezo, sinônimo de pessoas de má companhia, indignas de conviverem com pessoas de bem.

     FARISEUS (do Hebreu Parash, divisão, separação). A tradição formava uma parte importante da teologia judaica; ela consistia na coletânea das interpretações sucessivas dadas sobre o sentido das Escrituras, e que se tornavam artigos de dogma. Era, entre os doutores, objeto de intermináveis discussões, o mais frequentemente sobre simples questões de palavras ou de forma, no gênero das disputas teológicas e das sutilezas da escolástica da Idade Média; daí nascerem diferentes seitas que pretendiam ter, cada uma, o monopólio da verdade, e, como acontece quase sempre, detestando-se cordialmente umas às outras.

     Entre essas seitas, a mais influente era a dos Fariseus, que teve por chefe Hillei, doutor, judeu nascido na Babilônia, fundador de uma escola célebre onde se ensinava que a fé não era devida senão às Escrituras. Sua origem remonta aos anos 180 ou 200 antes de Jesus Cristo. Os Fariseus foram perseguidos em diversas épocas, notadamente sob Hircânio, soberano pontífice e rei dos Judeus, Aristóbulo e Alexandre, rei da Síria; entretanto, este último tendo lhes restituído suas honras e seus bens, eles recuperaram seu poder que conservaram até a ruína de Jerusalém, no ano 70 da era cristã, época na qual seu nome desapareceu em consequência da dispersão dos Judeus.

     Os Fariseus tomavam parte ativa nas controvérsias religiosas. Servis observadores das práticas exteriores do culto e das cerimônias, cheios de um zelo ardente de proselitismo, inimigos dos inovadores, eles afetavam uma grande severidade de princípios; mas, sob as aparências de uma devoção meticulosa, escondiam costumes dissolutos, muito orgulho, e, acima de tudo, uma paixão excessiva de dominação. A religião era, para eles, antes um meio de subir do que o objeto de uma fé sincera. Eles não tinham senão as aparências e a ostentação da virtude; mas, com isso, exerciam uma grande influência sobre o povo, aos olhos do qual passavam por santos personagens; por isso, eram muito poderosos em Jerusalém.

    Acreditavam, ou pelo menos faziam profissão de crer, na Providência, na imortalidade da alma, na eternidade das penas e na ressurreição dos mortos. (Cap. IV, nº4.) Jesus, que estimava, antes de tudo, a simplicidade e as qualidades de coração, que preferia na lei o espírito que vivifica à letra que mata, se aplicou durante toda a sua missão, a lhes desmascarar a hipocrisia, e, por conseguinte, fez deles inimigos obstinados; por isso, aliaram-se aos príncipes dos sacerdotes para amotinar o povo contra ele e fazê-lo perecer.

     ESCRIBAS. Nome dado, no princípio, aos secretários dos reis de Judá, e a certos intendentes dos exércitos Judeus; mais tarde, esta designação foi aplicada especialmente aos doutores que ensinavam a lei de Moisés e a interpretavam ao povo. Eles faziam causa comum com os Fariseus, dos quais partilhavam os princípios e a antipatia contra os inovadores; por isso, Jesus os confunde na mesma reprovação.

    SINAGOGA (do grego Sunagogue, assembleia, congregação). Não havia na Judéia senão um único templo, o de Salomão, em Jerusalém, onde se celebravam as grandes cerimônias do culto. Os Judeus para aí seguiam todos os anos em peregrinação, para as principais festas, tais como as da Páscoa, da Dedicação e dos Tabernáculos. Foi nessas ocasiões que, para lá, Jesus fez várias viagens. As outras cidades não tinham templos, mas sinagogas, edifícios onde os Judeus se reuniam aos sábados para fazer preces públicas, sob a direção dos Anciãos, dos escribas ou doutores da lei; faziam-se aí, também, leituras tiradas dos livros sagrados que eram explicadas e comentadas; cada um podia nelas tomar parte e, por isso, Jesus, sem ser sacerdote, ensinava nas sinagogas, nos dias de sábado.

    Depois da ruína de Jerusalém e da dispersão dos Judeus, as sinagogas, nas cidades que eles habitavam, serviam-lhes de templos para a celebração do culto.

     SADUCEUS. Seita judia que se formou por volta do ano 248 AC; assim chamada em razão de Sadoc, seu fundador. Os Saduceus não acreditavam nem na imortalidade da alma, nem na ressurreição, nem nos bons e maus anjos. Entretanto, eles acreditavam em Deus, mas não esperando nada depois da morte, não o servindo senão com o objetivo de recompensas temporais, ao que, segundo eles, se limitava sua providência; também a satisfação dos sentidos era, a seus olhos, o objetivo essencial da vida. Quanto às Escrituras, eles se prendiam ao texto da lei antiga, não admitindo nem a tradição, nem nenhuma interpretação; colocavam as boas obras e a execução pura e simples da lei, acima das práticas exteriores do culto. Eram, como se vê, os materialistas, os deístas e os sensualistas da época. Esta seita era pouco numerosa, mas contava com personalidades importantes, e tornou-se um partido político constantemente em oposição aos Fariseus.

     ESSÊNIOS ou ESSEUS. Seita judia fundada por volta do ano 150 AC., ao tempo dos Macabeus, e cujos membros, que habitavam espécies de monastérios, formavam entre eles uma espécie de associação moral e religiosa. Distinguiam-se pelos costumes brandos e virtudes austeras, ensinavam o amor a Deus e ao próximo, a imortalidade da alma, e acreditavam na ressurreição. Viviam no celibato, condenavam a servidão e a guerra, tinham seus bens em comum, e se entregavam à agricultura. Em oposição aos Saduceus sensuais que negavam a imortalidade, aos Fariseus rígidos para as práticas exteriores, e nos quais a virtude não era senão aparente, eles não tomavam nenhuma parte nas querelas que dividiam essas duas seitas. Seu gênero de vida se aproximava ao dos primeiros cristãos, e os princípios de moral que professavam fizeram algumas pessoas pensarem que Jesus fez parte dessa seita antes do início de sua missão pública. O que é certo, é que ele deve tê-la conhecido, mas nada prova que a ela se filiou, e tudo o que se escreveu a este respeito é hipotético.

     TERAPEUTAS (do grego Thérapeutai, servir, cuidar; quer dizer, servidores de Deus ou curandeiros). Sectários judeus contemporâneos do Cristo, estabelecidos principalmente em Alexandria, no Egito. Tinham uma grande semelhança com os Essênios, dos quais professavam os princípios; como este últimos, ele se entregavam à pratica de todas as virtudes. Sua alimentação era de uma extrema frugalidade; devotados ao celibato, à contemplação e à vida solitária, formavam uma verdadeira ordem religiosa. Fílon, filósofo judeu platônico de Alexandria, foi o primeiro que falou dos Terapeutas; considerou-os uma seita do judaísmo. Eusébio, São Jerônimo e outros Pais da Igreja pensavam que eram cristãos. Fossem judeus ou cristãos, é evidente que da mesma forma que os Essênios, eles formam o traço de união entre o judaísmo e o Cristianismo.
    
Allan Kardec – O Evangelho Segundo o Espiritismo- Tradução de Salvador Gentile, revisão de Elias Barbosa. Araras, SP – IDE, 309ª edição, 2005.

Nenhum comentário:

Postar um comentário